Resumos Doutrinários - Angelologia

     Agostinho é o primeiro pai da igreja que medita com profundidade sobre os anjos e sobre demônios, sobretudo em conexão com as doutrinas da criação e da queda. No comentário do Salmo 103, Agostinho escreve o seguinte:

     “Anjo [mensageiro] é designação de encargo, não de natureza. Se perguntares pela designação da natureza, é um espírito; se perguntares pelo encargo, é um anjo: é espírito por aquilo que é, é anjo por aquilo que faz”.

     Acerca da criação e das atividades dos anjos, em A Cidade de Deus, Agostinho escreve o seguinte:

     Os anjos já existiam quando foram criados os astros. Ora estes foram-no ao quarto dia.
Diremos, então, que foram criados ao terceiro? Claro que não. Sabemos muito bem o
que nesse dia foi feito: a terra separada das águas, cada um destes elementos recebeu
as espécies que lhes convinha e a terra produziu tudo o que nela cria raízes. Seria,
porventura, no segundo? Também não. Nesse dia foi feito o firmamento entre as águas
do alto e de baixo, dando-se-lhe o nome de Céu; e no firmamento foram criados os astros
no quarto dia.

     E, pois, claro que se eles se encontram entre as obras que Deus fez em seis
dias, os anjos são essa luz que recebeu o nome de dia; e foi para marcar a unidade que
se não disse o primeiro dia, mas sim um dia. Porque o segundo, o terceiro e os seguintes
não são outros, mas o mesmo dia único repetido para constituir o número seis ou sete, em
vista de um conhecimento senário ou septenário - o senário relativo às obras que Deus
fez e o septenário relativo ao repouso de Deus.

     Não é lícito pôr em dúvida que as inclinações, entre si contrárias, dos bons e dos maus
anjos, não resultam de naturezas e princípios diversos, pois foi Deus, autor e criador
excelente de todas as substâncias, quem as criou a umas e outras, - mas provêm das
vontades e apetites. Uns mantêm-se no bem, comum a todos, que para eles é o próprio
Deus, e na sua eternidade, na sua verdade, na sua capacidade; os outros, comprazendo-se
mais no seu poder pessoal, como se fosse bem seu próprio, afastaram-se do supremo bem,
fonte universal de felicidade e, - preferindo o fausto da sua elevação à eminentíssima
glória da eternidade, a astúcia da sua vaidade à plena certeza da verdade, as suas paixões
de facção à indizível caridade - tomaram-se orgulhosos, enganadores e invejosos. A
beatitude daqueles tem, pois, por causa a sua união a Deus - e a desgraça destes explicase
pela razão contrária: a separação de Deus.

     A verdadeira causa da beatitude dos anjos bons está no fato de estarem unidos ao que
é no mais elevado grau. Quando, pelo contrário, perguntamos qual a causa da desgraça
dos anjos maus, ela apresenta-se-nos precisamente do fato de se terem desviado d’Aquele
que no mais elevado grau é, para se voltarem para si próprios que não possuem o ser em
grau supremo. E que outro nome tem este vício senão o de soberba.

     É preciso reconhecer, em justo louvor do Criador, que não é apenas dos homens
santos mas também dos santos anjos que se pode dizer que a caridade de Deus se difundiu
neles pelo Espírito Santo que lhes foi dado.

     Ainda em A Cidade de Deus, acerca dos demônios, os anjos maus, Agostinho escreve o seguinte:

     Quão pouco merecem as honras divinas estes seres animados aéreos que só têm razão para
serem infelizes, só têm paixões para serem infelizes, só têm a eternidade para na infelicidade
permanecerem sem fim!

     Nós, porém, segundo a linguagem da Escritura, regra da nossa religião cristã, lemos
que há anjos, uns bons e outros maus, mas nunca que há bons demônios. Onde quer que
nas Escrituras se encontre esta palavra de daemones ou daemonia (demônios), trata-se
sempre de espíritos maléficos.  

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